"ISSO AÍ NÃO PASSA DE UMA GRANDE CAGADA!" (C. DeGaule)


 
     (Para Marcelo, Pedro Carlos e Antônio Gerson)

  FICOU FAMOSA a exclamação de Mestre Graciliano Ramos, já escritor consagrado mas que, depois de gramar cadeia por ser um "perigoso agente de Moscou",  ganhava modestamente o pão como humilde revisor no extinto "Correio da Manhã". O "bordão" daqueles tempos, entre os repórteres, era a expressão "via de regra". Era "via de regra" para cá, "via de regra" para lá, até ninguém aguentar mais. Principalmente um severo e exigente autor, como era o caso. Claro, o desabafo não podia ser outro, e o foi: em altos brados Graciliano disse "via de regra é bu...!" referindo-se ao termo chulo - ao menos no Brasil (em Portugal o grande Bocage o usava sem temor  em seus poemas) que designava o órgão sexual feminino.
     Ocorre que jornalista naquela época, era profissão donde a grande maioria provinha dos extratos mais pobres da população urbana. Quase todos não tiveram outro ensino que as primeiras letras, obrigados a mourejar permanentemente debaixo do aguilhão da fome. Essa tensão diária fazia com que compensassem a falta de formação profissional (e nem era reconhecida legalmente a atividade!) com uma esperteza "darwiniana", no sentido que só os mais aptos sobreviviam.
     Entre as diversas expressões consagradas pelo uso - mas ao mesmo tempo ultra maliciosas - está a minha preferida: "comoção intestina": lembro-me que logo após o golpe de 64 foi apropriada  pelos militares em seus mais sérios, ameaçadores e agressivos pronunciamentos. Tenho certeza que, à socapa, os jornalistas mais tarimbados deviam morrer de rir com aqueles coronéis e generais todos que jamais se aperceberam do real sentido do termo... E como naqueles infelizes tempos a repressão era ainda pior que na ditadura getulista, os escritores e outros homens de letras estavam em sua grande maioria na cadeia, sem poder gritar aos quatro ventos o significado verdadeiro da expressão: "COMOÇÃO INTESTINA É CAGANEIRA!!" E até hoje, nesses perfunctórios e melancólicos tempos em que perdemos a capacidade de autocrítica e a malícia natural do ser humano em favor de uma paupérrima obviedade, de uma insôssa e medíocre  literalidade, a expressão é consagrada nos mais conspícuos dicionários...

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