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Mostrando postagens de março, 2013

OUTONO

                     S I L Ê N C I O                

SEGUNDA-FEIRA

      ao Pavel Bersan, primo que fez tão cedo seu derradeiro vôo.       Esta hora da tarde faz meu mundo parecer uma ilha solitária. Mas ao longe ouço um cão latindo e pneus raspam ruidosos o asfalto na estrada próxima.   Entretanto é o momento em que os pássaros se calam e misteriosamente o mundo pára.   O silêncio permanece um instante; o primeiro trinado após a leve pausa  vem anunciar  a iminência de Vésper. Então vemos o rubro Sol, ofegante após persegui-la por sigilosas órbitas frustrantes.   A algaravia arbórea retornou ainda mais forte, enquanto o espaço perfila a fita indiana dos aviões que pedem pouso.  Em inacreditáveis tons vermelhos  explodem os céus do Oeste, logo esmaecendo lentos, pensativos,  em dulce adagio da mesma forma agora calam-se um a um os pássaros dormentes. 

SÁBADO

          A quele poema do Vinícius não sai da minha cabeça. No coração trago há muito a interpretação dele e do Quarteto em Cy. O que me leva aos meus tesouros, guardados com o devido ciúme: um deles é um CD baixado da internet. As meninas, ainda em início de carreira, foram convidadas para se apresentarem nos EUA. Lá foi feita a gravação, que ganhou o nome de "The Girls from Bahia". Coisa mais bonitinha vira o Inglês com sotaque baiano! Fosse eu homem de negócios, logo fundaria uma rede de escolas onde se ensinasse essa fala, com seu cantar único: sucesso mais que garantido. Um detalhe: seria uma escola inteiramente gratuita!      O que (outra vez!) me transporta a outro assunto: é válido franquear na internet as obras de arte? É uma interminável discussão, que vem dos tempos em que os trovadores eram pouco mais que escravos dos nobres, vivendo em seus castelos e na completa dependência deles. Isso veio perdurando até hoje, com a (importantíssima) diferença de que no lug

GUISADO À FEIÇÃO DE MURILO

(“os cavalos da aurora derrubando pianos” – Murilo Mendes, “Poema Barroco” )   De antemão prepare os ingredientes de sempre: Derrube tudo em uma caçarola bem amassada, Espante os moleques e as moscas varejeiras e Leve ao fogo branco. Ou se preferir, brando.   Em uma forma simples derrube o   conteúdo Mexendo de vez em quando. Assista a novela das oito, mande o autor passear, Peça à lindinha da vez pra namorar.   Na boca do forno, bento que bento é o frade. Coma devagar, enquanto Caminha pela estrada de Madagascar. Serve quatro.

ELEGIA

    Não. Nunca mais aquela imperecível segurança de um mundo plenamente ajustado, invisíveis e sólidas engrenagens, perfeitamente ajustadas umas às outras, cada qual em seu exato lugar. E o planeta, ainda criança, girando, eterno, em seu inabalável eixo invisível e sólido. Assim como as vidas daqueles dois pais: jamais se acabariam: jamais as vozes sempre a me consolarem iria acabar a doce melodia. Como neste exato momento em que as ouço, enquanto a noite se desdobra a Leste e a fimbria arenosa do Continente se ilumina passo a passo, como luminosas lágrimas de um sol em manto escuro. As vozes permanecem  prevenindo-me contra o sereno da noitinha e as ouço circunspecto, a alma rindo coa cômica controvérsia a respeito de sua natureza: se cai ou apenas surge da crescente umidade do lusco-fusco, misterioso fenômeno como a  luz azul de um pirilampo venusiano.   Pai e mãe afanados, pacientes, docemente irritados, docemente. Suas vozes confundem-se  -  tanto tempo já!

DUELA A QUIEN DUELA!

  para os filhos e netos   QUANDO CHOVE é que faz bom tempo! Eu sei, eu sei. É preciso alguns equipamentos chatos como guarda-chuvas, mais atenção no trânsito quando dirigir, não vá o motorista a seu lado derrapar por conta dos pneus carecas, ih, esqueci de trocar o limpador de para-brisa! Por aí vai a lista dos cuidados especiais, dia a dia maior: cada vez mais automóveis... E que chatice ter o sapato encharcado, os pés úmidos, o ar, a grama, o barro, os passeios mal conservados, o asfalto se dissolvendo com poucos dias de uso, ah! Esse período de chuva que não termina! - Sem falar nessas catástrofes todas, causadas pelo excesso das águas e a intensidade dos apavorantes temporais de verão! - Quanto a isso, a chuva não tem a menor culpa. - Hein? Como é que é? Você por acaso já se esqueceu das recentes tragédias causadas por elas? Aquele “réveillon” na Ilha Grande, a enxurrada que matou tantos nas Alagoas, em Niterói, Angra dos Reis, na cidade de São Paulo, no interi