JOGA PEDRA NO ANANIAS!



  
    
     ERA FIM DOS ANOS CINQÜENTA do último século:   um jovem chamado Ananias, recém-formado pela Politécnica, estava muitíssimo feliz. Havia conseguido um "bico" na prefeitura, onde era o encarregado do licenciamento de novas obras na cidade. Com o passar dos dias percebeu que poderia cobrar "um cafezinho" pela sua assinatura naqueles documentos. Até hoje o trêfego se lembra de um edifício em especial, chamado Wilton Paes de Almeida. Naqueles tempos esse era um sobrenome famosíssimo, por causa do banqueiro, industrial e político Sebastião Paes de Almeida, o "Tião Medonho" da imprensa.
      Esse edifício marcou época por ser um projeto que obedecia aos cânones arquiteturais daqueles vibrantes anos em que o Brasil, por causa principalmente de Brasília, pontificava nesse campo.
      Ananias imaginou que poderia receber um bom dinheiro com o licenciamento, ainda mais se opusesse algumas dificuldades antes de assiná-lo. Despedido sumariamente um ou dois dias depois de comunicar sua dificuldade aos construtores, ficou meses sem saber direito o que poderia fazer. 
      Então mudou o governo, Ananias pleiteou judicialmente sua recondução ao cargo, a sentença lhe foi tão favorável que recebeu em dobro uma "indenização" pelos meses do afastamento, além de ter sido promovido ex officio.  A nova função era exatamente a de fiscal de obras, o que equivalia a fortuna feita, naqueles tempos (e, veja bem: só naqueles tempos!)
      Rico, feliz, bem-casado e respeitado entre seus ratos, digo, seu pares, Ananias achou que havia atingido o ápice da sua vida profissional e cuidou de se aposentar. Justamente no dia, um fenômeno assaz curioso aconteceu com nosso herói.  Em um momento estava tomando banho debaixo de seu chuveiro importado de 130 graduações de quente-frio quando um relâmpago cegou-o momentaneamente. 
      No instante em que novamente conseguiu enxergar, foi percebendo que estava debaixo de uma lata de galão de tinta, com vários furinhos por onde a água (gelada) passava. Assustadíssimo, procurou a felpudíssima toalha de banho que sempre pendurava no gancho do box. Encontrou um trapo bem rasgado pendurado em um prego, ainda úmido do último usuário. Um rádio tocava música funk à toda altura, no fim do escuro corredor onde se achou, após abrir o tabique.

                                             I I

      Sem entender o que estava acontecendo, Ananias acabou por reconhecer determinada porta entre muitas outras, a qual estonteado abriu e deparou-se com sua esposa. Quase não a reconheceu de tão mudada: uma saia surrada, uma blusa esmolambada, uns chinelos gastos... um cabelo que de há muito não era tratado, unhas roídas nas mãos, a dos pés uma calamidade!
      Sentiu-se em seguida tomado por uma sonolência muito grande e mal conseguiu se estender em um leito no canto. Muitos anos depois Ananias levantou-se e foi cobrar os aluguéis daquele pessoal que morava no Paes de Almeida, que era tão familiar a si próprio embora ele não tivesse a menor idéia do porquê. 
      Passado uns dias do incêndio, foi assim que foi indo a coisa: uns disseram que ele tava enricando; outros que ele vendia o botijão por 120 paus e só podiam comprar na mão dele; outros ainda que a mulher dele...

Comentários

  1. Otima fabula do Ananias dos dias de hoje, coordenador da ocupacao do Wilton Paes de Almeida (embora negue).
    O estilo tem o toque de Rip Van Winckle, conto de Washington Irving (embora esse fosse honesto, apenas tendo dormido e acordado apos vinte anos, encontrando uma nova realidade).

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