SIC TRANSIT



Muito medo. Primeira vez cinco, seis anos. A prima da mãe. Cemitério enorme, cinza. Mausoléus revestidos de pó de pedra. Pequenos postigos de vidros empoeirados. Do lado de dentro, esgares. Cadáveres espiavam. Esperavam. Sol a pino, calor.

Noite. Para casa depois do trabalho. Olhava sem querer pela janela do ônibus. Muros altos, não o bastante para impedir a visão da arquitetura funerária. Sempre virava a cara, mas acabava olhando. Adulto, já, e ainda esse susto de cemitério.

Um dia o pai morreu e foram a enterrar-lhe o corpo. O primeiro de muitos velórios suportados. De lá para cá, de cá para lá. Cada vez o ambiente mais familiar; aquela árvore cresceu desde a última vez, está melhor, está  mais mal cuidado. Moscas aumentaram muito este ano. Chove. Lama nos sapatos. Com o Sol, poeira. Cada vez mais longe ficavam as covas, cada vez  mais. Cansaço. Raras vezes ia até o fim, agora. Compreendiam. Os cadáveres agora sorriam, afetivos.


Distraiu-se pensando na vida. Vieram e aferrolharam a tampa. Insólito. Sempre achou aquilo  incoerente: todos falando baixo e o som rascante da colher de pedreiro nos restos do cimento no fundo do carrinho de mão. Tinha uns que caprichavam, alisando cuidadosamente a massa até deixá-la por igual nas bordas das lajes. Outros, ébrios e relaxados: cimento atirado a esmo, emboço mal feito, todo irregular. Ficavam mal postas as tampas, entravam bichos, poeira, lixo. Mas agora era tudo muito escuro, apertado e desconfortável, pensou. Reclamar a quem?

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