POESIA É MUITO CHATO




A careca brilhava. Ela mais os pequenos óculos redondos conferiam-lhe um ar circunspecto, quase triste. Naqueles tempos em que as pessoas faziam cerimônia umas com as outras, isso bastava. Entendiam o recado e mantinham distância. Aquele canto do bairro, no final da praia, passava então a ser um lugar bem seguro, quase um esconderijo.

O jovem revisor do jornal, ainda funcionando no “Castelinho” da Avenida Rio Branco 110-112, vinha tarde da noite para casa. Às vezes ainda mais: calhava de o teletipo na redação começar a pipocar - algum maluco fizera um desatino qualquer do outro lado do planeta – logo vinha a ordem: pára tudo; segundo clichê! Ele e mais vinte colegas ficavam fumando, tomando café, fumando, contando piada, fumando e esperando descer o telegrama, já retrancado e com um “lead” que, no mais das vezes, mostrava para quem tinha um mínimo de experiência o cansaço e a pressa do redator em se ver livre daquilo.

Então descia a matéria: um pequeno desvaire lá no cu-de-judas, mas contendo os ingredientes clássicos que, bem editados, ajudavam muito a vender jornal: uma coisa tola, quando objetivamente considerada, quase uma novela de folhetim e seus ingredientes pueris. Na redação já se sabia que não ia passar disso: nada que justificasse tanta gente recebendo hora extra. O velho Ribas mandava todos para casa, ficavam só ele e mais um, nas oficinas dois linotipistas mais experientes a postos em seus dragões fumegantes. O resto, aquela azáfama. Duas dezenas de homens, algumas poucas mulheres, muitos nem mais tão jovens. Parecia saída de colégio.

Alacridade breve no início da madrugada, a avenida Rio Branco voltava a ser um bêbado perdido do último transporte, um monte de papel sujo indo daqui para lá, de lá para aqui. Às vezes o vento vinha do Obelisco, de outras encanava na Praça Mauá, resolveram fechar com umas grades a Galeria dos empregados do Comércio, de manhãzinha eles tiravam para o povo poder passar, o bonde acabara há pouco, os trilhos começaram a ser retirados, depois deu preguiça e foi mais fácil cobri-los com uma grossa camada de asfalto. Daí a pouco brilhavam novamente ao sol, um perigo para os pneus e a dirigibilidade dos automóveis. Os ônibus elétricos entraram em campo, logo foram apelidados de “chifrudos” pelo povo. Vira e mexe um dos chifres saltava fora do fio, ficava aquela imensa haste metálica balançando ameaçadoramente, o trocador descia, havia duas carretilhas na traseira, às vezes era necessário usar de muita força para desenrolar o cabo e colocá-lo no lugar.

O Bobs do Avenida Central passou a funcionar a noite toda, um dos melhores era o sanduíche de pasta de atum, era chique dizer-se “atum sálad”. Os balconistas divulgaram o neologismo híbrido gritando o disparate para os sanduicheiros, o jovem revisor logo aprendeu e ganhou a simpatia do pessoal: de vez em quando, a porção era um pouco maior que as demais.   (Continua amanhã)

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