POESIA É MUITO CHATO
(Continuação)

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Calhou que era o seu ônibus, nem parara direito no ponto e aquele barulhão de lata se soltando. Subiu, havia uns quatro passageiros, o trocador sonolento, o motorista adrenalina pura. Foi um pulo, logo a Cinelândia havia ficado para trás, o Aterro corria desabalado, aquelas curvas fechadas do Morro da Viúva metiam medo, nunca soube de nenhum que tombasse, vai que aquele, justo aquele ia ser o primeiro, parecia que o maluco do chofer tinha parte ou estava tomado, também podia ser que fosse pinga, Botafogo, Túnel, cortar a Praça Demétrio Ribeiro flechando rumo à Barata Ribeiro, de novo parecia que...


Os sinais todos verdes, ou era assim que o motorista os enxergava. Puxou a cordinha, esse aloprado nem vai ouvir ou só resolve parar lá na General Osório. Sofreou o monstro bem no seu ponto, o maluco saudou-o com o ar mais normal, um boa-noite sorridente de quem está em paz com a vida, haja entender! Nem quinze minutos durou o trajeto, talvez uns vinte quilômetros do jornal ao Posto 6. De longe a careca brilhava.


Já sabia que o poeta era seu vizinho, nem cinqüenta metros entre os dois prédios. Uma vez por semana ele ia até a garagem do edifício onde ele morava, vinha de longe um parente do porteiro, vendia carnes, comprava dois rins para a cadelinha. Era sempre de manhã, a claridade da rua fazia o interior semelhante a uma caverna escura. Os vultos e a algaravia guiavam seus passos, acabava acostumando a visão. Começava a distinguir uma que outra pessoa, aquela altura conhecida de vista, a carrocinha que se resumia o açougue clandestino lá estava, quatro ou cinco seres em volta, nunca o viu. Deparara-se com ele em uma outra ocasião, imprevisto lugar inesperada hora. O Hospital Silvestre tinha a mais linda vista da Baía de Guanabara, o poeta esperava na portaria, o cenho carregado, alguém da família, quem sabe. Seu primeiro filho acabado de nascer e o outro ali, provavelmente a se despedir de alguém.


Outra vez foi na praia: naqueles tempos os bares na avenida possuíam aprazíveis varandas, com cadeiras e mesas de vime, em um deles o pessoal de Minas fazia ponto. Lá estava aquela conhecida magreza, o terno escuro, o semblante esfingético. Sozinho em uma das mesas, teve vontade de sentar, pedir um chope e começar uma conversa lembrando aquela vez, há muito tempo, em que estivera em Itabira, ele e um amigo de lá, filho do... conhece? Tomaram banho de cachoeira, o ribeirão corria entre enormes pedras e de vez em quando despencava dois, três metros, a água rolava espremida, jatos e turbilhões, hidromassagem gratuita e ainda não nomeada como tal. Era só um rio da roça, dois meninos adolescentes, um sol de rachar. Talvez se pudesse chamar felicidade. (CONTINUA AMANHÃ)

Comentários

  1. Querido Paulo,
    Gostei deste conto de memórias. A narrativa flui, gostosa de se ler. Beijos, Alice

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