RITOS DE VIDA


 

I - R I C T O S

 

 

Risos, risos. Um reconhecimento algo conformado que a vida passou. Rugas que se apresentam no espelho e delas, por fim,  confessamos a autoria. Fomos nós, foi a vida. Um reconhecimento algo constrangido,  que já vivemos. Um ligeiríssimo sopro de amor, de alegria, de esperança, e para cá tornamos. Moços outra vez. Manchados de batom, calças justas, signos, línguas justapostas. Sexo.

 Os velhos risos da infância são agora rictos, conformados pelas comissuras flácidas dos lábios rugosos. A mãe, a esperança, a alegria. A alegria. A festa de barraquinhas do Colégio Santa Maria,  antigo internato das tias quando mocinhas. A cidade e seus limites, a cidade e suas confrontações. Apesar de agredidos por sua grosseira e insultante mania conservadora,  como a amávamos! Apesar da intolerância, do preconceito, do reacionarismo, nada podia substituí-la. Como a amávamos!

            Era bom circular nas madrugadas pelas desertas árvores das avenidas. Ciciantes à brisa noturna, langorosas, agradecidas ao mijo e vômito eventuais despejados em suas altas raízes, era bom. Um mistério nos cercava e, conscientes disso, fazíamos por onde. Ignorávamos os enredos profundos, os enleios obscuros e indecifráveis.  O compromisso era simples: amá-la apesar de tudo, de sua insignificante pequenez, que, esse sim, um segredo compartilhado que nos tornava ainda mais cúmplices. As sombras nos sabiam, e nós, delas, conhecíamos as trilhas obscuras. Os bondes! sobretudo os bondes que nos transportavam para a aventura, para o delírio. As fantasias jamais concretizadas e entretanto reais. As fontes. As fontes luminosas, os coloridos das moças em seu natural recato de feras enjauladas. Exalando cio.

            Um ciciar nos bastava: conhecíamos o ondular das folhas tangidas, trânsidas pelos anseios do vento. Escutávamos os ritmos da terra e compartilhávamos de seus humores mais subterrâneos. Estávamos sempre no rumo do mundo, às conquistas que nos eram devidas, aos sorrisos a alegria que imaginávamos em toda a história do homem. Éramos felizes!

            E por fim nos recolhíamos, certos das certezas mais simples e também mais íntegras que se pode ter: um céu, uma terra que um dia nos acolherá, um amor devaneado e quem sabe possível...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PARA BOI DORMIR...