T0D0S ESTAMOS NERVOSOS



Umberto Eco nos informa das agruras dos ricos[1] :  preocupados com a deterioração continuada que até a simples respiração (sem contar o lixo) de sucessivas hordas turísticas vêm trazendo aos monumentos  históricos, construir-se-ão réplicas dos mesmos. Ao custo de alguns bilhões alguém (não é esclarecido se um grupo empresarial ou o próprio Estado Italiano) inaugurará em breve uma "Disney arqueológica" que atenderá pelo nome de "Megale Hellas"

A função principal do parque temático "Magna Grécia" (é a tradução do nome) seria então desviar as tais multidões turísticas. Para essas, um templo "inteirinho e reluzente" seria mais palatável ao consumismo "antropofágico" e pouco ilustrado da massa ignara que uma velharia empoeirada e caquenta. E se aquele primeiro dispuser de "public conveniences", uma lanchonete cheia de charme e uma lojinha de lembranças (shop, em vernáculo), aí meu amigo...

Embora traduza uma preocupação atualíssima e universal (basta lembrar o estado ao qual ficam reduzidas Ouro Preto, Olinda, Salvador, Diamantina e outras após o Carnaval por exemplo), existe um travo de iniludível elitismo na argumentação do caro professor:

"Antes, é preciso tirar proveito das tendências naturais

do turismo de massa, que levam a visitar indiferentemente

a 'Pietá Romana' última obra de Michelangelo, e o 'Mulino

Bianco', a locação de um famoso comercial de TV. Imaginem

quantas pessoas ficarão muito mais satisfeitas  com o falso

templo de Albanella, inteirinho e reluzente, do que com aquele

que sobreviveu com tanta dificuldade em Paestum. Que aquela

multidão onívora seja então desviada para Albanella e que

se deixe Paestum para os que o visitam com conhecimento

de causa." (destaquei)

 

Caso essa "moda", trombeteada por Eco como a salvação da lavoura venha a confirmar-se (o que é bem provável: o tempora...) significaria nada mais nada menos que a privatização da herança cultural da humanidade. Melhor dizendo a venda, como paródia daquilo que foi sendo construído por alguns iluminados, ao longo de milhares e milhares de anos, através de nosso humano desejo de transcendência.

   Sem falar que seria mais  um meio de concentração de riqueza nas mãos de poucos, em detrimento da maioria: os primeiros prejudicados seriam aqueles que desde tempos imemoriais, geração após geração, vivem em torno desses lugares explorando um pequeno comércio: desapareceriam,  inapelavelmente exterminados  pelo megaempreendimento. 

E em conseqüência viriam o desemprego, a deterioração do grupo social, o aumento da criminalidade, todas essas mazelas  já tão conhecidas pela triste repetição nos últimos anos.

Olhando para esse mundo construído com nossas mãos e nossas loucuras, vêm-me à mente as cenas do filme "Tempos Modernos", do Charlie Chaplin: principalmente aquela em que o operário perde o ritmo da esteira da linha de montagem,  se atrapalha todo e aí então começa atabalhoadamente a apertar parafusos e porcas, enquanto outros vão se soltando, e mais e mais... e tudo finalmente se desmantela!

Não existe solução. Pelo menos essas do tipo tão elogiado pelo mestre insígne, que antes representariam o agravamento da situação. O excesso populacional que ocasiona essa "multidão onívora", os problemas ambientais cada vez mais críticos, o ritmo desenfreado da depredação do planeta, isso tudo são conseqüências, não causas. Essas são as velhas  conhecidas, já de muitos séculos. A credulidade insana da espécie, que continua, como dizia Rousseau, bastante simples para dar crédito a essa mãe das empulhações que é a propriedade privada. O verdadeiro Messias será, ainda nas palavras do genebrino, "aquele que, arrancando as balizas e atulhando o fosso grite a seus semelhantes: 'não deis ouvidos a esse impostor; estais perdidos e esqueceis que os frutos são de todos e a terra é de ninguém!"

A partir daí, quando a Lei for a propriedade coletiva da terra e dos demais meios de produção, o resto será um processo natural. Essa que o professor, embora não nomeando expressamente mais se queixa, o excessivo aumento das hordas estultas, naturalmente iria diminuindo até se acabar. Qual patriarca restaria, afinal, que precisasse de mais e mais braços filiais para arar a "sua" terra?




[1] No número 25 da revista "Entre Livros"

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