T I R I R I C A
    


     DUAS coisas ressaltadas em nós, brasileiros: o caráter extremamente preconceituoso da sociedade (o que é sinônimo de intolerância e obscurantismo), e mais a notável falta de memória.
     Ainda adolescente em Belo Horizonte, na década de 50, come-
cei a ouvir falar em um certo "Chico Fulô", misto de palhaço de circo e lutador de "catch" que na época atraía multidões para o ginásio esportivo da antiga feira de amostras. Eram lutas encenadas, onde a turma dos "mocinhos" lutava contra a dos "bandidos", tudo debaixo da torcida febril dos milhares que compunham a ululante platéia.
     Um dos que faziam parte da "turma do bem" era o "Chico Fulô", que caiu nas graças da população e angariou enorme popularidade. Não deu muito tempo e lá estava ele, agora com seu nome real de Waldomiro Lobo, candidatando-se a vereador. Reações iradas, verdadeira cruzada em nome "da moral e dos bons costumes". Waldomiro Lobo só não foi chamado de "bonito" (coisa que aliás não era, muito pelo contrário): todos os xingamentos, epítetos, epigramas, etc. etc. publicáveis eram vistos diariamente nos jornais. Ridicularizado de todas as formas e modos possíveis, nosso amigo foi eleito com estrondoso número de votos.
     Não me recordo muito bem do que ocorreu depois, pois logo  mudei de lá e deixei de acompanhar o dia a dia alterosiano. Agora, pesquisando na internet para escrever este post, vi que Waldomiro Lobo teve uma carreira na política, pois chegou a deputado estadual. E continuando a pesquisa descobri também que ele dá nome a uma importante avenida da cidade. Sinal que, de um ou outro modo, sua vida teve significado para Belo Horizonte e seu povo.
     Essa rememoração foi provocada pela celeuma que despertou a candidatura e posterior eleição do Sr. Francisco Everardo Oliveira Lima ao posto de Deputado Federal por São Paulo, com a maior votação de todos os tempos. Senhor talvez apedeuto, que responde pelo "nom de plume" (o trocadilho é intencional) de "Tiririca", e cuja profissão é ser palhaço.
     Repórteres de uma revista semanal investigaram a suspeita de analfabetismo do  então candidato (e agora deputado eleito). Fizeram tal sucesso que a pauta foi estendida pelos números seguintes, enquanto a população se eriçava com a verdadeira novela que os profissionais da imprensa criaram e alimentavam:  "Tiririca" sabe ler e escrever? Não percam o próximo capítulo!
     Enquanto isso, cá do meu canto, eu também ia, dia após dia, ficando mais e mais "eriçado" com a  calhordice de tudo isso:  no fundo no fundo o que mais uma vez ficava demonstrado (como se eu já não tivesse certeza disso...) a estultice do ser humano: querer examinar as condições da árvore pelas folhas! Pois da mesma forma que a chamada Lei da Ficha Limpa é uma pseudo panacéia, não vai ser o fato de o Palhaço Tiririca ler ou escrever que o condicionará a ser um bom ou mau parlamentar. E, é fundamentalmente óbvio que a forma de se aferir a integridade moral dos membros do Congresso Nacional não é criando empecilhos e "pegadinhas" mas sim acompanhando as votações dos projetos,  informando-se a respeito das atividades do "seu" parlamentar. Hoje é bem fácil fazer isso:  há inúmeras organizações e centenas de sites na internet voltados para o assunto. E bem se pode mandar frequentes mensagens eletrônicas com cobranças e repreensões a eles. Tudo isso dá mais trabalho e demanda uma dedicação constante, mas é o dever do eleitor, em uma democracia. Reclamar, criticar, atribuir a outrem a responsabilidade pelo controle e pela vigilância da coisa pública, não faz uma nação amadurecida e digna. Parece coisa de criança embirrada. 
     Espero que o Sr. Francisco Everardo se revele um bom deputado, e que eu viva ainda o suficiente para um dia ler em uma placa de informação na cidade de São Paulo: "Avenida Tiririca".  






                                         
       

Comentários

  1. Interessante o seu ponto de vista. Estou quase me convertendo a ele!

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  2. Paulo,

    Concordo plenamente. Se diploma (ou a falta dele) fosse garantia de um bom parlamentar, távamos feitos!

    Um abraço!

    Virgílio

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