M E N D A N H A


 

                                                                       (escrito em 2012)

 

 

     O Rio Jequitinhonha, após nascer nas fraldas do Itambé, pros lados de Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras, desce com força o Espinhaço, precipitando-se em centenas de pequenas e médias cachoeiras e alguns canhões (como falam nossos primos portugueses). 

     Então ele encontra terreno mais friável e aí começa a cavar seu vale e a espraiar-se. Algumas vezes fica tão raso que aparece um vau, propício a travessia de homens e bichos. Daí segue até a interessante Belmonte, no litoral baiano. Antigamente havia lá um porto, que provavelmente servia aos cacaueiros, enquanto o Jorge Amado não inventava Ilhéus e a sua Gabriela.

     O primeiro povoado do vale é o Mendanha. De Diamantina até lá é uma descida só, uns quinze a vinte quilômetros de asfalto. Então você sai à esquerda da estrada e de repente está na margem do Rio. Aqui um pequeno morro; do lado de lá  uma colina, onde a vila se aninhou ladeira acima. No mais alto, a torre de uma igrejinha. Um presépio. 

     Antigamente os vaus eram passagem na seca. Começou a chover, o rio enchia e o jeito era esperar. Às vezes semanas, até meses. Os tropeiros que traziam algodão do seridó para as tecelagens mineiras ficavam impacientes, enquanto o rio não baixava e o prejuízo não parava de subir, tanto para eles como para os industriais, com as despesas extras. 

    Então chegou pelas bandas do velho Tejuco um inglês. Andou daqui pra ali, de lá pra cá, foi ao Mendanha, viu a situação e resolveu o problema: uma ponte entre o pequeno morro e o povoado na outra margem! Meteu mãos à obra, e logo logo sua propriedade estava concluída. Sim, pois naqueles tempos alguns particulares faziam pontes e até mesmo estradas, onde cobravam pedágio e ganhavam um bom dinheiro. 

     O inglês não foi exceção e, com o problema da subsistência resolvido e mais do que garantido, ficou sem ter o que fazer. Começou a passear nos arredores, viu uma mulata linda, apaixonou-se, construiu uma casa onde viveram, pertim da sua ponte. Como lhe custava deixar seus lençóis e cobertores onde um amor cálido o esperava, colocou na cabeceira (não da cama, da ponte!) uma caixa e ao lado um pequeno sino. Passava a tropa, o patrão colocava as moedas equivalentes ao número das animálias,  dos homens e então tocava o sino. O inglês, este, nem se dava mais ao trabalho de levantar: eu aposto que murmurava entre os lençóis lascivos: "caixinha, obrigado!".

     Quer mais histórias de Diamantina? Bem havia lá um americano que... ver postagem mais antiga (*).

    PS a ponte infelizmente não existe mais. Ainda a conheci, em maio de  1986, mas pouco depois veio uma cheia e lá se foi ela... 
 (*) "O Americano que Gostava de Passarinho" - publicada em 15/01/2013

Comentários

  1. Gostei demais de voltar à Caderneta de Armazém e acabei lendo postagens antigas também. Adoro seu espírito e estilo, acabo qurendo mais. Anota a minha conta aí na caderneta.
    Beijo, Celeste.

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